Data: 30/01/2019 Tempo: 14min de leitura Categoria: Atualidade Visualizações: 766 visualizações
Por: Revista Bares e Restaurantes

A região da Praça da República, no denominado Centro novo da capital paulista, está atravessando um ciclo de requalificação urbana em que se misturam locais de moradia, trabalho, estudo, compras, cultura, lazer e entretenimento, servidos por metrô e linhas de ônibus. O movimento nas ruas vem se estendendo dos horários normais de expediente até tarde da noite. Começou a se tornar habitual nos espaços públicos dessa parte da cidade uma mescla humana de diversos perfis etários e socioeconômicos, algo que só encontra paralelo no país com o ocorrido, a partir de 1972, na área central de Curitiba.

“São diversos públicos diferentes tendo acesso aos mesmos espaços comuns. É algo que está em uma fase inicial, mas mostrando claramente uma inequívoca tendência, que pode se consolidar e evoluir, propagando-se como referência não só para São Paulo, como um todo, mas também para outras cidades do país”, diz o psicólogo Jorge Duarte, gestor de turismo e hospitalidade do SESC SP. Ele especializou-se em desenvolvimento comunitário, pela Organização Internacional do Trabalho, em Turim, na Itália, e em “coaching”, na University of Applied Sciences, na Finlândia.

Sem a acessibilidade e o compartilhamento nos mesmos qualificados territórios urbanos, segundo Jorge Duarte, não se efetiva a ascensão da base da pirâmide ao mercado consumidor de bens e serviços. Ele diz que, junto a um grupo de pesquisadores que faziam levantamento na área central de São Paulo, deparou-se com várias lojas sem as mínimas facilidades de acesso de cadeirantes ao seu interior. “Assim, não se incorpora o consumidor ao mercado. E o mesmo vale para as classes sociais de menor renda. Elas não frequentam as áreas da cidade melhor providas de infraestrutura, serviços públicos, equipamentos e estabelecimentos de cultura e lazer, mas que são territórios quase que exclusivo dos consumidores de alto poder aquisitivo. Estabelece-se, assim, uma barreira social”.

Os dois extremos históricos do Centro novo: da sofisticação à degradação

De 2006 em diante, quando o chef franco-brasileiro Olivier Anquier passou a morar no Edifício Esther, em frente à estação do metrô da Rua Sete de Abril, esquina com a Praça da República, o Centro novo começou a se livrar do estigma de uma área degradada. Até os anos 1960, a região era a mais glamorosa combinação de núcleo empresarial e residencial da capital paulista, com sofisticados restaurantes e cafeterias (entre eles, o Fasano, na Rua Barão de Itapetininga, e a Leiteria Americana, na Rua Xavier de Toledo) e as mais confortáveis salas de cinema da cidade, como a do Cine Marrocos, na Rua Conselheiro Crispiniano.

A vida cotidiana do topo da pirâmide de São Paulo tinha como polo a Praça da República e suas imediações. Nos anos 1970, essa elite dos negócios transferiu as residências e os respectivos escritórios para a Avenida Paulista e o seu entorno, isto é, ao redor dos Jardins – os quatro ditos “bairros nobres” da cidade. Todo o grande Centro de São Paulo, e particularmente o Centro novo, foi sendo esvaziado de suas clássicas funções, tornando-se cada vez mais desvalorizado, empobrecido, inseguro e abandonado pelo setor público. Assistiu-se à vertiginosa ascensão dos shoppings, que dizimaram os cinemas de rua e impeliram o comércio aberto às calçadas a se reposicionar unicamente para as classes pobres.

O empresário Carlos Beutel, proprietário do restaurante vegetariano Apfel (na Rua Dom José de Barros, a duas quadras da Praça da República), afirma que ocorreu ao longo de três décadas, a partir dos anos 1970, um movimento pendular na região central, deslocando-a do status máximo ao status mínimo. Diz estar observando agora a emergência de uma nova era, que não será mais a dos extremos. O Centro novo começa a encontrar o jeito da cidade do meio, “socioeconomicamente mesclada, com uma boa qualidade dos serviços e produtos do setor privado que se faça presente em tudo que é vendido ao consumidor de qualquer nível de renda”.

Do lado do setor público, completa Beutel, a infraestrutura e os serviços têm de corresponder aos elevados impostos pagos pela população brasileira. Considera que o tripé básico sobre o qual se assenta essa desejada cidade mesclada é a proximidade entre moradia, uma infraestrutura urbana que vai do melhor padrão das calçadas à oferta de transporte público, e o comércio de rua, puxado pelo setor da alimentação fora do lar.

“Em vez de um centro da cidade monopolizado pelo topo da pirâmide, como prevaleceu até os anos 1970, ou deixada a esmo, sendo caoticamente tomado por uma extensa gama de negócios informais e pela desestruturação urbana, precisamos nele disseminar a pluralidade, a qualidade democratizada. Essa degradação provocou, inclusive, a corrosão de alguns dos mais importantes prédios da cidade, considerados como referências da arquitetura brasileira. Há os que estão ocupados por pessoas e famílias sem teto. Precisamos, logo, de uma cidade saudável e conciliada na convivência entre diferentes níveis econômicos e de origens étnicas e raciais”.

Prossegue o dono dos restaurantes Apfel: “É este o mercado inclusivo do século XXI. O dinamismo que vem ocorrendo é o do Centro novo. A vida noturna está bombando na Praça Roosevelt, na Praça Dom José Gaspar, no Largo do Arouche, no edifício Copan, que tem dez restaurantes maravilhosos na parte térrea. As pessoas querem, hoje, é ir para rua; não querem mais o shopping. O Centro velho tem de dar prosseguimento ao seu processo de revitalização, acompanhando o que se passa com o Centro novo, onde trabalho e moro, no Copan, há 12 anos. Em dez minutos a pé estou no meu serviço. A maioria dos paulistanos demora, no deslocamento diário, de duas a três horas, o que é uma crueldade. A gente tem de pensar na mobilidade, facilitar a vida das pessoas, ter mais locação social”.
Washington Olivetto e Paulo Mendes da Rocha na Praça da República

Ao observar no Centro novo a disseminação dos bares, pubs, restaurantes, teatros e estabelecimentos combinando gastronomia com música, o casal de jornalistas Denize Bacoccina e Clayton Melo decidiu, em agosto de 2017, lançar a plataforma ‘A Vida no Centro’, de informação, cultura e inovação. Criaram um site, promovem eventos e realizam conexões interpessoais com os empreendedores, a imprensa e com as mais influentes personalidades residentes na região ou afetivamente ligadas a ela. Os proprietários desse “hub” de inovação e cultura têm veiculado entrevistas com empresários e personalidades de vários segmentos sobre a gastronomia, a cultura, o turismo e a vida urbana.

Um dos entrevistados foi o Washington Olivetto, frequentador de estabelecimentos de seus amigos, o chef Jefferson Rueda e a esposa, Janaina: o Bar da Dona Onça, no térreo do Copan, e o restaurante A Casa do Porco, na quase vizinha Rua Araújo. O renomado publicitário encontra no Centro novo outro amigo, que lhe é igualmente muito próximo: o chef Olivier Anquier, morador da Praça da República desde 2006. Em agosto de 2016, abriu um bistrô na cobertura do Edifício Esther. Em maio de 2017, inaugurou no térreo do mesmo prédio a Mundo Pão Olivier, em frente à estação do metrô, que fica na esquina da Rua Sete de Abril com a Praça da República.

Olivetto declarou aos jornalistas Denize Bacoccina e Clayton Melo: “O que está puxando a ressureição do Centro, mais do que qualquer gesto governamental, é a iniciativa privada, por meio da gastronomia. O melhor mecanismo para a redescoberta do Centro são as pessoas frequentarem a região. A cidade oficial, a dos dirigentes, deveria aproveitar essa onda dos restaurantes e pensar em como aumentar a segurança”. Ele foi eleito pela revista britânica Media International uma das 25 figuras-chave da publicidade mundial. Ganhou mais de 25 troféus Leão de Ouro, do festival de Cannes, e hoje faz parte do Conselho da McCann Worldgroup, alternando residência entre Londres e São Paulo.

Ele afirma que reordenamento urbano da capital paulista tem no Centro novo o ponto de partida. Para exemplificar, cita o que lhe disse o arquiteto Jaime Lerner, que foi prefeito de Curitiba em três mandatos alternados, que influenciaram nos rumos do urbanismo da capital paranaense durante 33 anos, isto é, de 1971 até 2004. “O Jaime Lerner fala muito bem sobre isso. Ele defende uma filosofia muito interessante: para arrumar o mundo, comece arrumando a porta da sua casa. A porta da sua casa vai arrumar a rua, que vai melhorar o bairro, que conserta a cidade, depois o país e o mundo”.

Os proprietários e gestores da plataforma Vida no Centro igualmente entrevistaram Paulo Mendes da Rocha, que em 2006 recebeu o Prêmio Pritzker, considerado como o Nobel da arquitetura e concedido pela Fundação Hyatt, sediada em Chicago. Recebeu, também, o grande prêmio da Bienal de Arquitetura de Veneza, e o Praemium Imperiale, concedido pela Japan Art Association. Aos 89 anos de idade, mantém o hábito de toda a sua vida profissional, caminhando a pé da residência ao escritório, isto é, do bairro de Higienópolis, vizinho à Praça da República, até a Rua Bento Freitas, distante a duas quadras do edifício Copan e a uma quadra do bar-restaurante A Casa do Porco.

Ao ser indagado pela jornalista Denize Bacoccina se sentia algum receio nos percursos diários de casa ao trabalho, atravessando a Praça da República no amanhecer e no anoitecer, Mendes da Rocha afirmou: “Eu vou dizer uma coisa: a vida urbana, de um modo geral, é a coisa mais livre que hoje pode existir para o homem. É viver nas áreas centrais das cidades. Tanto que você pode dormir na rua. Esse dito ‘medo’ das áreas centrais é justamente de quem tem medo da liberdade. Tem gente que tem pavor desta liberdade”. Quando solicitado a dar uma “dica” aos paulistanos que querem conhecer o melhor da cidade, ele assim resumiu: “A minha ‘dica’ é a seguinte. Venham para o Centro”.

A coexistência nas calçadas de consumidores de todos os níveis de renda

Entre os restaurantes e gestores (‘restaurateurs’) mais renomados, que passaram pelo crivo dos críticos e analistas da gastronomia de São Paulo, estão no mapa do Centro novo os seguintes personagens e estabelecimentos: Olivier Anquier, Jefferson e Janaína Rueda, o tradicional La Casserole, gerido por Marie-France Henry e Leo Henry, respectivamente filha e neto de Roger Henry (1921-2005), que fundou o restaurante há 64 anos, em 1954, e Lilian Varella, proprietária do Drosophyla, na Rua Nestor Pestana, inaugurado em janeiro de 2005. Os frequentadores do Centro novo podem fazer refeições com preços variando de R$ 18, no restaurante palestino Bab, na Praça Roosevelt, a R$ 275 que é o prato mais caro do La Casserole, no Largo do Arouche.

A jornalista Denize disse que cada frequentador da região escolhe o restaurante de acordo com o seu gosto e poder aquisitivo, mas nas ruas a coexistência é eclética, sem a separação territorial por classes socioeconômicas. A seu ver, para os padrões brasileiros é um “avanço extraordinário”, porque se extingue no Centro novo o legado da segregação entre áreas nobres e populares, virando-se uma indesejada página da história das cidades em geral. “A diversidade gastronômica leva à diversidade de público. Na Praça da República, por exemplo, há bares em que se servem a cerveja litrão, e ao lado deles, há aqueles que têm no cardápio as cervejas artesanais e importadas”, com diferenças de preços abissais entre os dois perfis de estabelecimentos.

Lilian Varella, do Drosophyla, endossa estes argumentos. “A região tem bares e restaurantes de todos os níveis de preço, dentro dos estabelecimentos, e, ao mesmo tempo, os mais variados tipos públicos nos espaços das praças e calçadas. Há, sem dúvida, a predominância de gente jovem, antenada e descolada. Mas veem-se pessoas de maior idade, que apreciam a cultura e a diversidade. Nos fins de semana, aqui no Centro fica lotado. É muito bonito ver renascer tudo isso, com tanto vigor. Os empreendedores estão com muito gás, muita força, na base do ‘vamos, vamos fazer’. É bacana. É emocionante”.

A incorporação da base da pirâmide brasileira ao mercado consumidor do país requer a mistura de classes sociais nos ambientes urbanos que disponham de comércio, moradia, transporte público e acessibilidade. É o que diz o especialista em comunidade e pertencimento territorial, o psicólogo Jorge Duarte, gestor de turismo e hospitalidade do SESC SP.

A coexistência de diferentes extratos econômicos em um mesmo espaço geográfico, como sugere ele, ajuda a romper com a barreira implícita que separa e distancia as pessoas de menor renda daquelas que têm maior poder aquisitivo. A mescla, conforme explanou, possibilita que se traga à tona um grande mercado que tem permanecido invisível e latente, pois todos os seres humanos, indistintamente, almejam produtos e serviços de qualidade por preços que possam pagar. “Além do mais, essa coexistência abre canais de diálogo, de interação e de proximidade mútua, fomentando o que eu chamo de cultura da paz e a redução da violência. O fato de as pessoas não se escutarem leva aos conflitos, sejam a pretexto de religião, do futebol ou da política”

A comunidade dos empreendedores dá visibilidade à Praça da República e região

Oito empresários se juntaram na criação do Centricidade, um movimento em que pretendem dar a mais ampla visibilidade às transformações que nos últimos dez anos vêm ocorrendo no Centro novo de São Paulo. A região estende-se do Viaduto do Chá à esquina das avenidas Ipiranga e São João, passando pelo Teatro Municipal, a Praça Dom José Gaspar, onde está a Biblioteca Mário de Andrade, a Praça Roosevelt, o Largo do Arouche e a Praça da República, que é o principal núcleo da região.

Até 2007, essa geografia da capital paulista contava com tradicionais estabelecimentos de drinques e gastronomia, como o La Casserole, Ponto Chic, Apfel, Salada Record, Almanara e Bar Brahma. De 2008 em diante, o Centro novo entrou em um ciclo de acentuada expansão do número de bares, cafés, bistrôs e restaurantes, alguns com espaços para baladas e música ao vivo. Simultaneamente, a região também passou a concentrar investimentos imobiliários, sobretudo de edifícios com pequenos apartamentos, de 18 m² a 49 m² de área útil, um dormitório e serviços compartilhados nas áreas comuns: Wi-Fi, sala de ginástica (fitness), escritório aberto (home office), piscina espelho d’água, com cadeiras de praia, salão de festas e autosserviço de lavanderia.

A sucessão de novos bares e restaurantes em uma área antes estagnada

Nos últimos dez anos, inaugurou-se uma extensa lista de estabelecimentos do setor da alimentação fora do lar, como, por exemplo, o Bar da Dona, A Casa do Porto e o Hot Pork, do casal Janaína e Jefferson Rueda, o Esther Roof Top e a Mundo Pão Olivier, do chef Olivier Anquier, o Drosophyla Bar, Restaurante & Espaço Cultural, o Alberta #3 (balada), o Bab (restaurante palestino), o Fel (no térreo do edifício Copan, especializado em drinques clássicos), o JazzB (casa de música instrumental intimista), o Mandíbula (bar na Galeria Metrópole, com espaço para balada), o Ramona (restaurante em frente à Biblioteca Mário de Andrade), Tap Tap (choperia), Z Deli (a terceira filial da hamburgueria, próxima ao Edifício Itália).

Ganha cada vez mais musculatura, no Centro novo, o conceito da cidade compacta, preconizado pelos urbanistas do passado e do presente, que se tornaram referências mundiais, como a americana Jane Jacob, o brasileiro Jaime Lerner, o dinamarquês Jan Gehl, e o espanhol Oriol Bohigas. Isso porque estão se enraizando na região os atributos da proximidade entre moradia, trabalho, praças, infraestrutura de mobilidade, locais de estudo, lazer, entretenimento e de cuidados à saúde. Acentua-se, no Centro novo, a convergência de moradia para diversas faixas de renda, centros culturais e de lazer inaugurados em 2017 (Sesc 24 de Maio) e 2018 (Farol Santander), a multiplicação de bares, cafés, bistrôs e restaurantes. Como consequência desse conjunto de facilidades, a região passa a escolha para a compra ou aluguel de salas comerciais.

Assim, no espectro da cadeia dos bares e restaurantes do Centro novo, surgem empreendimentos inovadores e de grande escala, como o Tokyo, em que se revitalizou um prédio com nove andares, de 1949, projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke, na Rua Major Sertório, cuja fachada é tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp). A inauguração do Tokyo ocorreu em maio deste ano. No oitavo andar, abriu-se um restaurante, comandado pelo chef Atusi Kohara, com menu de pratos japoneses. No terraço, há uma pista de dança e um mirante, com vista para a Avenida Ipiranga. Há, ainda, um andar para bar e karaokê, outro com um palco, e mais um com salas destinadas a empresas da economia criativa.

Fonte: Revista Bares & Restaurantes, edição 123.

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