Data: 25/06/2021 Tempo: 07min de leitura Categoria: Cadeia Produtiva Visualizações: 1268 visualizações
Por: Observatório da Gastronomia

A safra da tainha de 2021 em Santa Catarina, iniciada em 1° de maio, abriu com boas previsões para os pescadores e pescadoras. Primeiramente foi liberada a permissão para a modalidade arrasto de praia, em seguida foram liberadas as modalidades de emalhe anilhado (15 de maio) e cerco/traineira (dia 1° de junho). A safra se encerra em 31 de julho.

Tainha

As previsões já se mostraram assertivas, a pesca artesanal (arrasto de praia), já superou os números do ano anterior. Até o dia 14 de junho, de acordo com levantamentos realizados pelo ND+, foram capturadas nesta modalidade, 501 toneladas de tainha no estado. Em 2020 a quantidade total ficou em 362 toneladas. O arrasto de praia não possui cota para captura, já as modalidades de emalhe anilhado e cerco, sim. A modalidade de emalhe anilhado teve o encerramento anunciado no dia 17 de junho pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), quando atingiu 100% da cota permitida, algo em torno de 897 toneladas de tainhas capturadas. A modalidade cerco segue com a temporada aberta – até a data de publicação desta matéria, segundo painel de dados do MAPA, foram capturadas cerca de 54% da cota. O quadro abaixo apresenta os dados de 2021 em Santa Catarina.

Pesca da Tainha em Santa Catarina
Arrasto de praia: 501 toneladas*
Emalhe anilhado: 897 toneladas (atingiu 99,57% da cota)**
Cerco: 217 toneladas (54,27% da cota)**
Total de tainhas capturadas em Santa Catarina:  1.615 toneladas
*números até 14 de junho
** números até 24 de junho

Fonte: MAPA e nd+

Em Florianópolis, até o dia 14 de junho, o maior lanço foi na Praia Brava, localização ao Norte da Ilha de Santa Catarina, quando foram capturadas cerca de 15 mil tainhas em um único dia (13 de junho).

O mercado
As tainhas migram para desovar no litoral catarinense provenientes da Lagoa dos Patos (RS), seu ambiente de alimentação. É preciso ter paciência, espera, saber observar as condições meteorológicas e de mar, conhecimento e sabedoria adquiridas ao longo de décadas de prática e repassadas através das gerações.

Apesar da safra ser entre 1° de maio e 31 de julho, a atividade em torno da prática envolve a vida dessas comunidades tradicionais por todo o ano. São redes, canoas e remos que precisam ser consertados, ranchos que passam por reconstruções, aulas de remos para assumir funções de patrão ou remeiro, entre outras atividades. 

A tainha mais encontrada em nosso litoral é a espécie Mugil liza (imagem 01), que possui, em média, 40 cm de comprimento e pesa cerca de 1,5kg. O preço da tainha inteira, no Mercado Público de Florianópolis, varia entre R$18,00 a R$28,00, dependendo se é acompanhada ou não de ova, se já está limpa ou não, conforme quadro abaixo. 

Preços no Mercado Público
Tainha com ova: de R$ 18 a R$ 20.
Tainha limpa, sem ova: de R$ 13 a R$ 16.
Tainha limpa, com ova: de R$ 24,99 a R$ 28.
Fonte: nd+, 14 de junho de 2021

Tainhas

De acordo com estudo apresentado no livro “Que peixe é este?”, entre 2011 e 2012, de um total de 152 estabelecimentos analisados em Florianópolis, a tainha foi encontrada em cerca de 70% dos cardápios. Apesar da sazonalidade da tainha, é possível encontrá-la congelada sendo ofertada para consumo em restaurantes e/ou para aquisição em peixarias. 

Tainha grelhada com farofa e legumes

Cada vez mais o mercado gastronômico utiliza-se de técnicas de conservação para ofertar as ovas, por exemplo, com qualidade fora da safra. Conhecido como karasumi ou bottarga (veja galeria abaixo), o método consiste na salga e secagem das ovas frescas, podendo ser revestidas ou não por cera de abelhas. A preparação é utilizada ralada, em lascas ou mesmo em pó. 

Nas comunidades tradicionais é comum encontrar a “tainha escalada”, que, apesar do nome se relacionar a um tipo de corte no peixe, é conhecido nas localidades como um método tradicional de salgar e secar ao sol e, posteriormente, assar na brasa. Há também outras preparações tradicionais no litoral catarinense que envolvem a tainha, como a farofa com ovas, a tainha cozida no feijão, postas fritas com pirão, ovas fritas. 

O cenário gastronômico florianopolitano vem se apropriando cada vez mais da tainha para elaboração de novos pratos e releituras dos tradicionais. Uma das precursoras no uso da tainha em preparações inovadoras é a chef Janete Borges, que apresenta pratos como a tainha grelhada no carvão com ohitashi, shitake e dashi ponzu, tainha curada levemente defumada com castanhas, karasumi (preparado pela chef), leite de tigre, azeite de coentro e mostarda wasabi ou mesmo a releitura da tradicional tainha com feijão, aqui preparada grelhada com pirão de nylon, caldinho de feijão e salada de agrião d’água com limão galego, preparação da época em que chefiava um hotel na região (fotos abaixo, da esquerda para direita).

O OFÍCIO

Patrão, remeiro, chumbereiro, vigia e camaradas. Esses são alguns dos partícipes da pesca artesanal no litoral de Santa Catarina, cada um com responsabilidades específicas nessa prática coletiva.

Patrão, remeiros e chumbereiros embarcados, vencendo a arrebentação das ondas, o “jajigo”. Foto de Ronaldo Dias Andrade, Campeche, 2015 – Livro “Registro da Pesca Artesanal da Tainha no Campeche como Patrimônio Cultural de Santa Catarina” (pág. 07)

Há escolas para formação de remeiros e patrão. Ambos adentram o mar com a canoa, um como força da embarcação, responsável pela propulsão da canoa, seguindo a orientação do patrão. O outro, a autoridade máxima no processo de pesca, é o responsável por interpretar os sinais do vigia, é ele quem verifica os equipamentos, providencia os reparos necessários para uma temporada exitosa, coordena a embarcação e autoriza e realiza o lanço. Está sempre atento ao vigia, o pescador responsável pela observação diária do mar. É o vigia quem avista as mantas de peixe e sinaliza sua presença aos pescadores. Também faz parte desse coletivo o chumbereiro, o pescador embarcado responsável por lançar a rede ao mar, que auxilia também na frenagem da canoa quando ela retorna à praia. 

O LANÇO

A ilustração abaixo exemplifica o método conhecido como arrasto de praia. Ao sinal positivo do vigia para entrada de cardume na costa, o patrão comanda a canoa que lança uma ponta da rede ao mar, esticando-a perpendicularmente à praia, barrando a frente do cardume. A ponta é trazida novamente à praia, formando uma meia-lua. Os camaradas em terra começam a puxar a rede com auxílio de cabos. A prática normalmente envolve um grande número de pessoas, pescadores ou não. E é comum haver a partilha do que foi capturado entre aqueles e aquelas que ajudaram no lanço – respeitando a parte que cabe a cada um dos envolvidos.

Esquematização do lanço – Fonte: BANNWART, 2014.

Tradição e patrimônio

A pesca artesanal da tainha no Campeche foi registrada como Patrimônio Cultural de Santa Catarina em primeiro de maio de 2019. A data foi escolhida por ser a abertura oficial da safra. A prática, realizada há mais de cem anos no local, foi inscrita no Livro I, do “Registro dos Saberes” com o registro número Três. Todo o processo de registro foi documentado em livro e pode ser acessado gratuitamente na seção Publicações do Observatório da Gastronomia, gentilmente cedido pelas autoras. 

Como participar de um arrasto

Considere-se um sortudo ou sortuda se acaso conseguir testemunhar e acompanhar um arrasto de praia. Não há horário, não há reserva, não há programação, não há certezas. Apesar do trabalho do vigia em estar atento aos movimentos do cardume, tudo pode mudar com a entrada de um vento na costa que torne o mar perigoso para a prática, por exemplo. Esta especificidade dessa modalidade de pesca e o trabalho coletivo da comunidade são, juntamente com o conhecimento e a sabedoria daqueles e daquelas que viveram e vivem dessa prática, um bem cultural de valor inestimável para a história e desenvolvimento da cidade. 

Comunidade participa do arrasto de praia – Foto de Mara Rejane Freire, Campeche, 2019 – Livro “Registro da Pesca Artesanal da Tainha no Campeche como Patrimônio Cultural de Santa Catarina” (pág. 16)

Para saber mais sobre a safra da tainha, acesse:

Livro – Registro da Pesca Artesanal da Tainha no Campeche, organizado por Claudia Hickenbick; Elisa Freitas Schemes

Livro – Que peixe é este?, organizado por Liz Cristina Camargo Ribas.

Folheto – Pesca artesanal em Santa Catarina/Epagri, de Janaína Bannwart

Dados e Indicadores – SIS Tainha Temporada 2021/MAPA 

Pesca da tainha em Santa Catarina: perfil no Instagram com informações dos arrastos

Projeto Tekoá Pirá – Projeto de Base Comunitária sobre a Pesca Artesanal e Engenhos de Farinha em Florianópolis

Extração das ovas da tainha

Fonte das informações: MAPA, ND+, Secretaria Estadual de Agropecuária e Pesca/SC e links acima.

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